Tags
Em 2015, quase 6 milhões de estudantes tiveram de escrever uma redação sobre o tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, e é de supor-se que muitos candidatos tenham ficado temerosos de expressar seu pensamento a respeito.
E com razão. Basta imaginar o possível desfecho das seguintes situações: a candidata “A”, feminista, sustenta, em sua redação, que a proibição do aborto é uma forma de violência contra as mulheres; e apresenta como proposta de intervenção a completa descriminalização dessa prática. Já o candidato “B”, muçulmano, relativiza o problema da violência contra as mulheres; identifica, entre suas causas, o comportamento eventualmente inadequado das próprias mulheres; e propõe como solução a mudança desse comportamento.
Como teriam sido corrigidas essas redações? Se o Enem exigisse o respeito à legislação relativa aos direitos humanos, a candidata “A” deveria ter recebido zero, pois a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que o direito à vida deve ser protegido pela lei “desde o momento da concepção” (art. 4º, 1). Mas, dada a inexistência de parâmetros objetivos sobre o significado da expressão “direitos humanos” não só esse resultado não teria ocorrido, como quem provavelmente teria levado zero, por haver apresentado uma visão “radical”, “incivilizada”, “preconceituosa”, “polêmica”, “intolerante” e “politicamente incorreta”, seria o candidato “B”, embora sua proposta de intervenção não desrespeite a legislação relativa aos direitos humanos!
Ora, nenhum dos candidatos deveria ser punido ou beneficiado por possuir ou expressar sua opinião, insista-se: ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade. O exemplo demonstra, em todo caso, que, além de ferir a liberdade de consciência e de crença dos candidatos, a exigência do INEP, na prática, transforma a prova de redação do Enem num imenso filtro ideológico de acesso ao ensino superior.