No Antigo Testamento Deus se revela como amor, como aquele que ama mais do que o pai ou mãe ama os filhos, mais do que o esposo ama a sua esposa. Mas a revelação máxima do amor vem da primeira carta de São João, que depois de sua experiência com Jesus (verbo da vida), proclama como que num grito: Deus é amor! (1Jo 4,8.16). E falar que Deus é amor, é dizer que Ele se doa completamente e gratuitamente. É como disse o próprio Jesus: “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único” (cf. Jo 3,16). Essa foi a maior prova do amor de Deus para conosco. Diríamos: maior até que a criação. Enviando seu Filho e o Espírito Santo, Deus revela que Ele próprio é eterna permuta de amor. E se Deus é o próprio Amor, obviamente que só nos realizaremos n’Ele. Sabendo disso, Ele se doa, nos chama, nos convida a fazermos parte de sua família. Essa é a graça extraordinária que temos: fazer a experiência da Santíssima Trindade. E é pelo batismo que cada um de nós, passamos a fazer parte da sagrada família.
Então, Deus nos chama a fazer parte da sua família, para que vivamos a plenitude do amor. São João Paulo II dizia que “nós (homens) somos um dom do amor para o amor”. Sim, claro! nascemos como fruto do amor de Deus e tendemos ao amor de Deus. A santidade (que é a nossa meta) nada mais é do que a plenitude no amor. Assim, viver plenamente o amor é igual a ser santo; é para isso que estamos aqui neste mundo: para sermos santos. Daí o porquê o próprio Jesus nos pede: “Sede santos, porque eu sou santo (1Pe 1,16); sede perfeitos, assim como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5,48)”.
Logo, amar não é seguir aquilo que nosso coração manda; seguir o nosso coração é estar construindo o caminho de nossa perdição; é estar caminhando para chegar ao inferno, porque o nosso coração, os nossos afetos, estão também manchados pelo pecado original. É bom lembrar que o pecado original mesmo sendo perdoado em nosso batismo, deixou em nós sérias consequências, e uma delas fora deixar o nosso coração cego. Em tudo, o nosso coração é enganador; o coração nos decepciona, nos trai, porque ele não sabe a quem amar. Grande parte das nossas frustrações está em querer seguir o nosso coração. Que triste quando você tem um amigo casado, e de repente ele se apaixona por outra mulher, e vem desabafar com você, e você diz a ele: faz o que o seu coração mandar! Ora, se ele for seguir o seu coração, vai destruir a sua família. E isso é tão verdade, que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo diz: Nada mais ardiloso e irremediavelmente mau que o coração. Quem o poderá compreender? (cf.Jeremias 17,9). Não dá para seguir o nosso coração em tudo. Somos seres racionais, mas não devemos esquecer que a nossa razão deve ser sempre iluminada pela fé. Sim, Claro! o mais sensato, é sempre deixar que a nossa vontade seja inflamada pela força do Espírito Santo; é sempre nos guiar pela Palavra de Deus, pois se Deus é a verdade (cf. Jo 14,6), é a sua Palavra que deve conduzir a nossa vida, mesmo porque o amor não pode estar separado da verdade. Amor e verdade vão andando sempre juntos.
Na filosofia aprendemos que Deus pode ser contemplado sobre vários aspectos: Deus é amor, Deus é a verdade, Deus é a beleza suprema, Deus é o sumo bem. Quando dissociamos estes aspectos entre si, prostituímos essas realidades. Por exemplo, se Deus é o belo por excelência, tudo aquilo que é belo é reflexo de Deus, isto é, quando contemplamos algo belo é porque esse algo participa da beleza suprema de Deus. Desta feita, a beleza não pode estar dissociada de Deus, tampouco o amor deve estar dissociado d’Ele. Quando a beleza se separa de Deus, até aquilo que Deus chama de torpeza, de abominação, passa a ser tido como belo; quando o amor está dissociado da verdade, tudo passa a ser amor, e quando tudo se torna amor, o amor se torna nada. Enfim, quando dissociamos o amor da verdade, o amor torna-se algo subjetivo, torna-se criação humana e não é mais essência divina.
Mas precisamos ser humildes e admitir: sozinhos nunca saberíamos o que é o amor; foi necessário que Deus (amor invisível) se fizesse amor visível, através de Cristo, para que pudéssemos descobrir o que é amar de verdade. O amor se fez carne, para que pudéssemos vê-Lo, tocá-Lo, reproduzi-Lo em nossa vida. Enfim, foi o próprio Deus invisível, que se fez amor visível, para que aprendêssemos a amar de verdade. Só o amor encarnado de Deus pode nos ensinar a amar de verdade; só o amor de Jesus nos ensina que amar também é corrigir, é repreender.
É certo que Deus é manso e humilde de coração, mas é mais certo ainda que Ele sabe chegar ao seu amigo e dizer: afasta-te de mim, Satanás, porque teus sentimentos não são os de Deus, mas os dos homens (cf. Mc 8,33); Jesus, manso e humilde de coração, pegou um chicote para expulsar os vendilhões do Templo (cf. Jo 2,13-16). Portanto, não há dúvidas: na correção também está o amor; quem ama quer corrigir; quem ama quer dizer ao outro: você está errado. Dizer o erro, querendo que o outro se salve, é uma obrigação para a Igreja e para todos os cristãos. E ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho! Diz o Senhor. (1Co 9,16). Sim, ai de mim, se eu não mostrar ao mundo o seu erro e apontar o caminho da conversão.
É preciso entender que amar não é dizer: cada um faz o que bem quiser; amar é dizer: eu falo seus erros, porque eu te amo e quero que você seja salvo; amar é querer trazer a verdade para as pessoas, porque a verdade as livrarás. (cf. Jo 8,32). O amor do Senhor é um amor que sofre até as últimas consequências para manter a fidelidade, a perseverança, a verdade.
Com isso, Jesus (o amor encarnado) nos ensina: (a) que não existe outro modo de amar, senão entregando a própria vida até o sacrifício do calvário; é preciso morrer para que manifestemos o amor de verdade; (b) que é necessário assumir a nossa maturidade espiritual e deixarmos de ser crianças no amor, que só querem receber, receber e receber; o movimento do amor é totalmente oposto: é dar-se, é gastar-se, e consumir-se pela Igreja, pelos jovens, por todo o mundo; (c) que para ser cristão de verdade é preciso querer se queimar; isso de querer ficar bem com todo mundo é irreconciliável com o ser cristão; (d) que o verdadeiro cristão deve estar disposto a sacrificar o seu próprio coração, para aprender a amar de verdade; que Ele (Jesus) é o nosso único referencial de amor, pois ninguém amou tanto quanto Ele. Só um amor que morre para dar vida ao outro é verdadeiramente amor. Ninguém tem maior amor do aquele que dá a sua vida por seus amigos (cf. Jo 15,13).
Precisamos dar a cara por Cristo; precisamos estar dispostos a ser crucificados com o Senhor. Isso dói, isso custa, mas é assim que se ama; é assim que se prova um amor verdadeiro; quando tudo é fácil, ainda não se chegou ao amor; o amor implica renúncia; o amor implica perda. Amar é aprender a morrer, para que os outros tenham vida. É como diz o Senhor: “Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto” (Jo 12,23). Só quem descobriu isso, descobriu o amor verdadeiro em Jesus Cristo, o amor feito carne.
Para que nos deixemos envolver por esse amor de verdade, peçamos a graça de Deus todo-poderoso: Pai, Filho e Espírito Santo. Amém!
(Por Rosangela Cruz, sob comando dos ensinamentos de Pe. Demétrio Gomes)
Veja também: Amor, por Scruton
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